Memes de novela e vídeo de burro “falando”: como governo e aliados justificam mais imposto

Memes de novela e de gatinhos, vídeos criados com inteligência artificial sobre conversas de bar e de burros "falando": a criatividade do governo federal e seus aliados para tenntar convecer a população sobre a necessidade de um novo aumento de impostos - sob a justificativa de “justiça tributária” - é muito grande.

Com o uso de novelas, memes, vídeos gerados por inteligência artificial e a exploração de uma linguagem popular, a aposta é popularizar a agenda da taxação de setores específicos da economia e convencer a opinião pública sobre a urgência de novas fontes de arrecadação.

A campanha, que já contou com um investimento de ao menos R$ 173 mil por parte do PT apenas em impulsionamento, foi apelidada de "Taxação BBB", uma sigla para "Bilionários, Bancos e Bets". A mensagem central é direta: esses segmentos, que "ganham muito dinheiro e pagam pouco ou quase nada de imposto", passarão a contribuir mais para aliviar a carga sobre os mais pobres e garantir o financiamento de programas sociais.

Lideranças de esquerda acreditam que o embate nas redes sobre o aumento de impostos pode reacender o apoio popular e pressionar o Congresso a aprovar as medidas. Para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e sua equipe de comunicação, aprofundar a polarização entre "pobres e ricos" é visto como uma fórmula eficaz para o embate político com vistas às eleições de 2026.

No entanto, a narrativa de "justiça tributária" coincide com a realidade preocupante das contas públicas. O pano de fundo para essa ofensiva de comunicação é um cenário de desequilíbrio fiscal persistente. Nos 29 meses do governo de Lula até maio, houve déficit em 23 deles, segundo dados do Banco Central.

Como reflexo, o endividamento público saltou de 71,7% do Produto Interno Bruto (PIB) em dezembro de 2022 para 76,1% em maio deste ano. Diante desse quadro, a única estratégia visível da equipe econômica para combater o problema é a busca incessante por mais arrecadação.

Isso ocorre mesmo com a carga tributária já em um patamar recorde de 34,2% do PIB em 2024, o maior valor da série histórica iniciada em 1990, de acordo com o Observatório de Política Fiscal do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre).

Para levar a mensagem a um público mais amplo, a estratégia se apropria de elementos da cultura popular. Uma das táticas foi usar a novela Vale Tudo, da TV Globo, que estreou no final de março, para ilustrar supostas injustiças tributárias, comparando a alíquota de Imposto de Renda paga por uma empresária milionária com a de uma empreendedora.

Um dos exemplos citados compara a alíquota do Imposto de Renda aplicada à personagem Odete Roitman, empresária interpretada por Debora Bloch, com aquela atribuída à microempreendedora Raquel Acioli, vivida por Taís Araujo.

Publicações do deputado estadual Guilherme Cortez (PSOL), compartilhadas pela deputada federal Jandira Feghali (PcdoB-RJ), afirmam que Acioli pagaria 7,5% de Imposto de Renda, enquanto Roitman seria tributada em 2%.

Outras comparações baseadas na novela indicam que a diretora de criação Solange, interpretada por Alice Wegmann, recolheria 27,5%, enquanto Afonso Almeida Roitman, personagem de Humberto Carrão, pagaria 5,4% de IR.

O deputado catarinense Pedro Uczai (PT) usou o remake da novela para reforçar a campanha do “nós x eles”, questionando quem acessa o post dele: "De qual lado você está: somos 99% do povo contra 1% dos ricaços.”

Vídeos criados com inteligência artificial também foram usados nas redes sociais. Em um deles, um burro ironiza os críticos da taxação dos mais ricos, dizendo: "imposto é necessário. Injustiça, não. Blábláblá, mimimi. Ai, ai. Eu acho lindo os bilionários ganhando milhões e pagando menos imposto com povo lascado."

Outro conteúdo retrata uma conversa de bar onde uma pessoa questiona por que um cidadão comum paga mais impostos do que quem consome lagosta, champanhe e caviar.

Recentemente, o governo utilizou até "memes com gatinhos" para defender o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) no Supremo Tribunal Federal (STF). Uma audiência pública está prevista para esta terça (15) e envolve governos, parlamentares e magistrados.

Os memes destacam que a medida supostamente afetaria de alta renda, com mansões, carros de luxo e investimentos em previdência privada acima de R$ 600 mil anuais. O objetivo é o de arrecadar R$ 20 bilhões por ano para programas como o Farmácia Popular e o SUS. Contudo, a própria equipe econômica já trabalha com cenários de receita inferiores ao projetado, o que adiciona uma camada de incerteza sobre a eficácia da medida.

A deputada federal Any Ortiz (Cidadania-RS) criticou na semana passada o argumento de que o aumento do IOF afetaria apenas “o andar de cima”: “Não é verdade que o IOF só vai atingir a classe mais alta. Impacta todo mundo, principalmente quem usa cheque especial ou parcela o cartão de crédito. Isso não acontece só com quem tá no andar de cima”, disse a parlamentar.

“Isso é um discurso antigo do PT. Resgatam essa narrativa de ricos contra pobres, negros contra brancos, para tentar se manter no poder. E é curioso, porque o slogan do governo é ‘União e Reconstrução’. Pegaram o slogan, jogaram no lixo”.

Para Domingos Sávio (PL-MG), no entanto, a narrativa é frágil. “Se você aumenta o IOF, é claro que impacta também de forma direta nos investimentos, nas operações financeiras e repercute no tomador de crédito, a população toda. Todo mundo sabe que é assim”, afirmou.